A Rede MangueMar Brasil é uma articulação que envolve movimentos
de pescadores/as, ONGs, pastorais sociais e pesquisadores/as que lutam pela
sustentabilidade socioambiental da Zona Costeira Brasileira. No Rio Grande do
Norte esta articulação vem se constituindo em reuniões realizadas no período de
2007-2016, e vem levantando questões preponderantes para manutenção da
vida das comunidades litorâneas como também dos bens naturais como os rios,
mangues e mar. Neste sentido, organizamos o I ERMMEL - Encontro da Rede
MangueMar com o tema conflitos socioambientais das áreas Estuarinas e
Litoral do RN, e convidamos a sociedade civil organizada, instituições e órgãos
públicos responsáveis pelo monitoramento e fiscalização da Costa do Rio
Grande do Norte a participar.
Esta Carta Aberta, referendada pelos integrantes da Rede
MangueMar, documenta os conflitos socioambientais vivenciados na costa
potiguar e discutidos no I ERMMEL. Tais conflitos decorrem do processo
desordenado de urbanização e da implantação de grandes projetos econômicos
que comprometem as condições de vida e trabalho das comunidades litorâneas,
além de degradar bens naturais imprescindíveis para sociedade.
Seguem os conflitos socioambientais tratados durante o I ERMMEL:
1. Rio Potengi
A tragédia ambiental que ocorreu em 2007 no Rio Potengi com a
mortandade de peixes ainda não foi julgada, nem as comunidades ribeirinhas
ressarcidas pelas doenças adquiridas, pela destruição de sua fonte de renda e
modo de vida. Além deste problema, não há fiscalização de dedetizadoras e
também no período das chuvas o minério de ferro do depósito no porto escorre
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para as águas do rio. Todo o pescado para a venda na região está
comprometido; a população ciente do problema deixa de comprar o pescado
inviabilizando a geração de renda das famílias que dependem da pesca
artesanal. É necessário que haja restauração do mangue, a indenização da
classe trabalhadora da pesca artesanal e a formação dos “Amigos da Corte” para
acompanhar o processo em andamento na Procuradoria Federal do Meio
Ambiente. Foram ainda citados o descarte de óleo a noite pela manutenção de
navios e indicada a necessidade de se inserir, no plano de Diretor de Natal, área
de porto artesanal com delimitação de área especifica para as embarcações de
pesca artesanal.
2. Carcinicultura
Esta atividade tem um impacto direto nas áreas estuarinas do RN e,
historicamente, parte significativa de manguezal foi ocupada por fazendas de
camarão, comprometendo tanto os ecossistemas como o modo de vida dos
pescadores artesanais e comunidades ribeirinhas. Desta maneira solicita-se
fiscalização emergencial das empresas atuantes no estado, a restauração do
manguezal nas áreas descaracterizadas, a recuperação do direito público de ir
e vir nos manguezais e a retirada dos viveiros de camarão instalados em
manguezais.
3. Projeto de implantação de Esgotamento Sanitário em área de
ZPA - Natal
As ZPAs em Natal apresentam falta de regulamentação, falta de
fiscalização e vêm passando por um processo de ocupação desordenada
crescente. Especificamente no caso da ZPA 8, a construção de Estações de
Tratamento de Esgotos, na região de Guarapes e Salinas, precisa ser discutida
publicamente, em várias audiências públicas, com a sociedade, em específico
com os moradores da zona norte. Deve-se levar em consideração a importância
histórica-cultural de ocupações indígenas na área. É necessário estudar
tecnicamente se as áreas previstas para a implantação das estações
apresentam condições adequadas (solos, topografia, vegetação, hidrografia,
etc.), e discutir de forma ampla e integrada os impactos sociais, ambientais,
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econômicos e culturais deste empreendimento na vida das populações
ribeirinhas.
4. Rio Pirangi e área de influência (praia e mar)
Diante da urbanização desordenada com a construção de condomínios
fechados, equipamentos de lazer e turismo, e crescimento populacional na área
de abrangência do Rio Pirangi, inserida em Parnamirim e Nísia Floresta, faz-se
necessário identificar e fiscalizar existência de cercas que impedem acesso das
comunidades e a abertura clandestina de estradas vicinais para circulação de
veículos motorizados, terraplenagem e fixação de piquetes para novos
empreendimentos imobiliários. Tubulações (clandestinas?) construídas às
margens do rio devem ser identificadas e fiscalizadas, o despejo de águas
servidas diretamente no rio deve ser interrompido e a qualidade das águas ao
longo da bacia monitorada. A área do manguezal que foi desmatada para
implantação de viveiros (hoje desativados e abandonados) deve ser restaurada.
Por fim, audiências públicas para discutir de forma participativa e integrada o uso
e monitoramento do Rio Pirangi devem ser realizadas.
5. Litoral Setentrional
No litoral setentrional as bacias do Rio Apodi/Mossoró e Piranhas/Açu
apresentam realidades semelhantes no que se refere aos problemas
socioambientais relacionados ao uso e ocupação do espaço por empresas
salineiras, agroindústrias, carcinicultura, parques eólicos como também a falta e
precariedade de saneamento básico. Durante o I ERMMEL foram levantados os
seguintes conflitos socioambientais:
(a) O comprometimento da sobrevivência das comunidades pesqueiras
e ribeirinhas devido à poluição das águas do Piranhas/Açu, que ocorre diante do
mau gerenciamento da bacia de saneamento básico da CAERN, localizada na
Ilha de Santana em Macau. A poluição das águas vem comprometendo a
qualidade dos mariscos e pescados, impedindo a venda e, portanto, a geração
de renda das comunidades do litoral. A má qualidade da água lançada no rio
comprometeu ainda a produção de ostras das marisqueiras;
(b) O crescimento urbano desordenado da região também compromete
a qualidade das águas, diante do descarte indevido de resíduo sólido e líquido e
com as construções de residências em área de mangue e margens do rio;
(c) Foi solicitada fiscalização das áreas da marinha, pela Capitania dos
Portos, na região de Macau com o objetivo de ordenar a circulação das
embarcações. A instalação de currais na barra tem dificultada a entrada e saída
dos barcos de pesca artesanal;
(d) Especificamente em Macau, no bairro dos Navegantes, é solicitada a
retirada da ponte (que se encontra desativada há mais de trinta anos) para
acesso da população;
(e) O não reconhecimento do território da pesca das comunidades
tradicionais e a importância do uso do seu espaço para vida (moradias), trabalho
(acesso a locais de pesca artesanal), está sendo negado pelas empresas de
energia eólica. Os parques eólicos estão sendo implantados sem qualquer
relacionamento ou diálogo com as comunidades tradicionais, principalmente
com os pescadores. As regiões atualmente mais afetadas são localizadas no
município de Areia Branca (comunidades litorâneas de Ponta do Mel, Redonda,
São Cristóvão e Morro Pintado), Macau (comunidades de Diogo Lopes e
Sertãozinho) e Galinhos. O processo de instalação das torres vem sendo
associado ao desmatamento de vegetação nativa, contenção das dunas móveis
(feita por matéria morta em cima das dunas) compromete a dinâmica da região
dunar, perdendo a identidade da paisagem com expressiva beleza cénica.
Perde-se assim o potencial paisagístico e, portanto, o potencial turístico. Na
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Ponta do Tubarão as áreas de
empréstimo de material para construção de vias de acesso às torres geraram
piscinões de água, cujo rompimento colocam em risco as comunidades de Diogo
Lopes e Sertãozinho.
6. Criação de Área Protegida Estadual nas Dunas do Rosado
Mais uma vez a comunidade litorânea indicou a necessidade da
discussão local sobre a criação de área protegida estadual na região das Dunas
do Rosado, processo iniciado há mais de uma década, mas que até agora não
foi finalizado, apesar de ter sido construído um ECOPOSTO na área. Considerase
que a criação desta área protegida contribua na resolução de conflitos
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territoriais existente entre a FACENE e as comunidades de São Cristóvão, Morro
Pintado e Redonda. Foi indicada a necessidade de destinação de técnicos para
ocupar o ECOPOSTO e não simplesmente vigilância terceirizada, além da
fiscalização do uso das dunas por veículos automotores. Sugeriu-se ainda a
implantação de placas de sinalização informando ser proibida a circulação de
veículos nas Dunas do Rosado. Em Ponta do Mel é também necessária a
fiscalização do uso e ocupação do solo em áreas de reserva legal e áreas de
preservação permanente, com supressão de plantas nativas, processo que vem
ocorrendo sem os devidos estudos técnicos de impactos ambientais ou
contemplação no projeto orla e no plano diretor do Município de Areia Branca.
7. Ordenamento do espaço marinho da pesca artesanal x lazer e
turismo
Especificamente no território da pesca artesanal, os pescadores e
pescadoras vêm sofrendo pressão variada pela limitação de uso de espaços
tradicionalmente usados há gerações. Por exemplo, veranistas pressionam que
haja a retirada de seus ranchos na praia, espaços fundamentais para a pesca
artesanal nos quais os petrechos de pesca são guardados e realizada sua
manutenção. Verifica-se ainda conflitos entre pescadores artesanais com
banhistas (que interferem na pesca) e embarcações de lazer (cortam redes,
afugentam o cardume, etc.), realidade encontrada em todo o litoral potiguar.
Com relação à comunidade de Pirangi do Norte, banhistas muitas vezes
tentam impedir que os pescadores e pescadoras lancem suas redes ao mar. Já
as embarcações cortam as redes ou não respeitam as regras de distanciamento
da praia, definidas com a Capitania dos Portos. Como não há fiscalização, as
regras são burladas. Já em Canguaretama, na praia de Barra de Cunhaú, as
práticas do stand up, kite surf e a pesca de arpão prejudicam sobremaneira o(a),
pescador(a). Em Macau foi solicitada a fiscalização, por parte do IBAMA, das
redes de pesca que são deixadas 24 horas dentro da água, ameaçando os
estoques pesqueiros.
8. A saúde dos Pescadores e Pescadoras
A pesca artesanal é uma atividade intensa, realizada com intensa
exposição ao sol por longas horas, em condições muitas vezes insalubres (como
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a pessoa ficar molhada por horas, na lama, etc.), o que tem um impacto direto
na saúde dos pescadores e principalmente das pescadoras. Várias doenças do
trabalho (lesão por esforço repetitivo, problemas de visão, coluna, pele, questões
ginecológicas, etc.) não são reconhecidas pelo sistema básico de saúde (INSS).
O Cadastro de Acidentes do Trabalhador – CAT e o Centro de Referência de
Saúde do Trabalhador-CEREST não registram os acidentes que acontecem na
atividade da pesca. O CEREST também não divulga aos pescadores e
pescadoras os seus direitos e como acessá-los. Desta forma, são solicitados: (a)
Equipamentos Pessoais de Segurança (EPIs); (b) o reconhecimento das
doenças relativas ao trabalho da pesca pelo sistema básico de saúde; (c)
orientação do CEREST aos pescadores e pescadoras sobre seus direitos e
como acessá-los; (d) implantação do Dia do Pescador em postos de saúde,
permitindo prioridade de atendimento a esta classe.
Diante do exposto, os participantes da Rede MangueMar e do I
ERMMEL vêm a público exigir que as instituições e órgãos públicos abaixo
elencados
Façam os esclarecimentos necessários sobre os conflitos socioambientais
descritos nesta carta aberta;
Construam alternativas sustentáveis que combatam a vulnerabilidade das
populações litorâneas e dos bens naturais de ambientes marinhos e costeiros;
Atuem de maneira responsável, participativa e integrada entre eles e junto à
sociedade.
Instituições e órgão públicos que receberão esta carta aberta:
Ministério Público Federal e Estadual
Ministério Público do Trabalho Estadual
Defensoria Pública Federal e Estadual
Secretaria do Patrimônio da União
Capitania dos Portos
IBAMA
IDEMA
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Secretaria de Estadual de Recursos Hídricos e Meio
Ambiente do RN
Secretarias Estadual e Municipais de Meio Ambiente,
Urbanização, Saúde, Assistência Social e Educação
Assembleia Estadual do RN
CAERN
Parnamirim, 24 de março de 2017.
Assinam esta Carta Aberta integrantes da Rede MangueMar e participantes do I
ERMMEL - Encontro da Rede MangueMar para discutir conflitos
socioambientais das áreas Estuarinas e Litoral do RN abaixo elencados:
1. Arquidiocese de Natal
2. Articulação Nacional das Pescadoras - ANP
3. Associação das Marisqueiras de Diogo Lopes
4. Associação de Moradores da Praia de São Cristóvão - Areia Branca
5. Associação Mulheres
6. Associação Sebastião de Dunas do Rosado
7. Cajueiro de Pirangi
8. Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa de Meio
Ambiente - CAOP
9. Centro Pastoral de Parnamirim
10. Centro Pastoral de Parnamirim
11. Colônia de Pescadores Z-10 de Nísia Floresta
12. Colônia de Pescadores Z-2 de Touros
13. Colônia de Pescadores Z-4 de Natal
14. Colônia de Pescadores Z-41 de Macau
15. Colônia de Pescadores Z-5 de Maxaranguape
16. Colônia de Pescadores Z-56 de Parnamirim
17. Colônia de Pescadores Z-6 de Canguaretama
18. Colônia de Pescadores Z-7 de Guamaré
19. Comissão de justiça e Paz – CJP
20. Comitê da Bacia Hidrográfica do Apodi Mossoró
21. Conselho Municipal de Desenvolvimento de Guamaré
22. Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária
23. Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária
de Guamaré
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24. Conselho Nacional de Políticas Culturais
25. Conselho Pastoral dos Pescadores - CPP
26. Conselho Pastoral dos Pescadores do Ceará – CPP/CE
27. Departamento de Biologia da Universidade Potiguar – UnP
28. Deputado Fernando Mineiro
29. Equipes de monitoramento dos rios/RN do Projeto “Observando os Rios”
realizado pelo SOS Mata Atlântica
30. Escola Estadual Professor Severiano Bezerra de Melo
31. Fundação Parnamirim de Cultura
32. Igreja Católica Nossa Senhora dos Navegantes – Redinha
33. Instituto Casa d’água
34. Instituto Defender
35. Instituto Terramar
36. Movimento das Pescadoras e Pescadores – MPP
37. Museu Nísia Floresta
38. Oceânica – Pesquisa, Educação e Conservação
39. Abuzada (Associação de Moradores da Praia de Búzios/Nísia Floresta)
40. Parque das Dunas
41. Professor da Universidade Federal do Ceará – UFCE
42. Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN
43. Professores dos Departamentos de Geografia, Direito Ambiental,
Educação, além de alunos de Ecologia e Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte UFRN
44. Professores e alunos da Escola Agrícola de Jundiaí – EAJ/UFRN
45. Professores e alunos do Departamento de Gestão Ambiental, Geografia e
Biologia da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN
46. Projeto Bioparque Natal
47. Projeto do Sertão ao Mar: turismo de base comunitária
48. Projeto Gamboa do Jaguaribe/Natal
49. Regional do Litoral Parnamirim
50. Reserva de Desenvolvimento Sustentável Ponta do Tubarão - RDS
51. Secretaria de Meio Ambiente de Galinhos
52. Secretaria de Meio ambiente e do Desenvolvimento Urbano de Parnamirim
53. Secretaria de Pesca de Macau
54. Secretaria Municipal de Meio ambiente e Urbanismo - SEMURB/Natal
55. Serviço Arquidiocesano em Rede – SAR
56. Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nísia Floresta
57. SOS Mangues
58. Superintendência do Patrimônio da União –SPU
quarta-feira, 12 de abril de 2017
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